segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

O Natal da minha infância (VIII)

Atualizado


O Natal na minha aldeia nos anos cinquenta e sessenta do século passado era muito diferente do atual. Bastante simples, mas centrado essencialmente na família. Não havia centros comerciais como hoje para fazer compras e as luzes que atualmente quase nos cegam eram inexistentes, porque não havia luz elétrica. Só em 1964 foi inaugurada, ato a que não tive o prazer de assistir, porque nesse ano viemos morar para os arredores de Lisboa. 
Voltando ao Natal. Este processava-se de forma muito simples. Habitualmente passávamos a noite de Natal em casa dos meus avós maternos, sentando-nos depois do jantar em redor da lareira, onde a minha avó fazia as tradicionais filhoses, num grande tacho com azeite sobre o lume, com a ajuda de minha mãe. Era um ritual muito desejado e aconchegante, porque as noites de dezembro eram extremamente frias e ali o calor aquecia-nos o corpo e a alma. Depois de fritas as filhoses iam sendo colocadas num grande alguidar onde eram polvilhadas com açúcar e canela. 
Tão boas que eram ainda quentinhas! 
A noite ia passando e o sono ia-se apoderando de nós (eu e minhas duas irmãs) e já a altas horas da noite o meu avô acompanhava-nos a casa, uma vez que o meu pai, que trabalhava em Lisboa, nem sempre era dispensado para poder estar presente nestes dias festivos. 
Chegadas a casa e antes de nos deitarmos íamos até à cozinha acompanhadas pela minha mãe, onde colocávamos os sapatinhos na lareira para que o Menino Jesus, que havia de descer pela chaminé, deixasse os tão ansiados presentes, que no nosso caso eram bem escassos e modestos. 
De manhã, mal acordávamos, lá íamos a correr ver se o Menino Jesus não se tinha esquecido de nós. 
Os melhores presentes eram sempre os vestidos novos, muito quentinhos, que a minha mãe nos fazia e que estreávamos nesse dia para ir à Missa de Natal logo pela manhã. 
Antes ainda corríamos as ruas e o centro da aldeia, que era próximo, para admirar os presépios que os comerciantes expunham nas montras das suas lojas. Qual deles o mais bonito. Eu gostava imenso de apreciar os detalhes ao ínfimo pormenor: o Menino Jesus deitado nas palhinhas, Nossa Senhora e São José vigiando, o burro e a vaca aquecendo o Menino, os pastores e as ovelhas, os lagos, as pontes, tudo salpicado de farripas de algodão branco, imitando a neve. Até parecia que se ouviam os anjos a cantar: "glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade". 
O Natal de que me recordo, na minha infância, era simplesmente, assim.... Sem brinquedos, sem árvore de natal, mas com muito amor e alegria no seio da família.



Santo e Feliz Natal!
Próspero Ano Novo!

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Imagens (filhoses)
Daqui (Blog dos Forninhenses)

Receita (Gentileza da Paula do "Blog dos Forninhenses")
Aqui

Presépio
Google

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Matança do porco (conclusão) VII


Conclusão 

Depois da pesagem do porco, este era aberto para lhe serem retirados o baço, o fígado, o coração e outras miudezas, assim como as tripas que no próprio dia eram levadas num grande tabuleiro de madeira para um riacho, onde nas suas frescas e límpidas águas correntes eram bem lavadas e raspadas com vinagre, laranja e limão. 
Mais tarde serviriam para o enchimento das morcelas, assim como o bucho do porco. 
Entretanto, ao lume, na velha lareira, ia fumegando a comida da matança  que além de uma sopa bem forte era constituída de, pelo menos, um prato feito com a carne do porco, nomeadamente com o baço, fígado e o coração cortados em pedaços e sangue cozido temperados com alho, cominhos e cravinho entre outros temperos, sendo conhecido este prato por Cachola. 
No dia seguinte era feita a desmancha do porco separando-se o toucinho, o entrecosto, os lombos os ossos da espinha, as pernas e as pás, aproveitando-se estas últimas para presuntos e chouriços, respetivamente. 
A carne da pá e outras eram cortadas em pedaços pequenos que em grandes alguidares de barro eram temperados com sal, alho, colorau e vinho branco ficando pelo menos oito dias neste preparado. 
Neste dia recordo-me que era feita uma sopa com o espinhaço do porco com massas de cotevelinhos  aromatizada com hortelã que era  uma delícia. 
A minha avó fazia também um lombo na frigideira temperado com laranja que era de comer e chorar por mais.  O meu avô costumava retirar dos alguidares da carne alguns pedacinhos com os quais fazia umas deliciosas espetadas na brasa. 
No terceiro dia da matança, a minha avó com a ajuda da minha mãe fazia o enchimento das morcelas. 
Em seguida eram escaldadas em água a ferver e penduradas no fumeiro. 
Estas morcelas ainda frescas eram deliciosas grelhadas na brasa.  
À ceia era servido um prato que a minha avó fazia numa caçarola com base na mioleira do porco desfeita (os temperos já não me recordo) e broa de milho desfeita também. Só sei que ainda hoje guardo o paladar desse manjar, assim como dos outros que atrás referi. 
Mais tarde seria feito o enchimento dos chouriços que também iriam para o fumeiro. Os presuntos   depois de devidamente salgados e untados salvo erro com azeite e colorau eram pendurados para secarem. 
A minha avó fazia ainda enchidos com tiras de lombo lardeados com toucinho que, depois de fumados, eram um verdadeiro petisco. Habitualmente estes enchidos eram comidos mais tarde, depois de passado o tempo necessário no fumeiro. 
Por último eram feitas as farinheiras, que como o nome indica levam farinha e uma gordura especial do porco, cujo nome não posso precisar, além de colorau e massa de pimentão.
O toucinho e outras carnes eram salgados e guardados nas salgadeiras (arcas onde se guardavam e conservavam as carnes).
São estas as minhas memórias da matança do porco. Faltam alguns detalhes que devido à minha pouca idade não retive.

terça-feira, 27 de novembro de 2018

Matança do porco (I) VI


Por esta altura, finais de Novembro, inícios de Dezembro, aconteciam as matanças dos porcos. Eram sempre antes do Natal, quando a geada tantas vezes, pela manhã, já deixava observar a sua fina camada branca sobre os campos e a erva que orlava os muros ao longo dos caminhos. 
A matança do porco era um acontecimento na vida das famílias e ao mesmo tempo uma festa. Eram convidados vizinhos e família próxima para ajudar nessa ação em si um pouco bárbara e que requeria bastante esforço. Como paga as refeições durante três dias eram por conta dos donos da casa, uma vez que em cada dia havia tarefas específicas. Era assim que toda a gente na aldeia fazia para que o animal bem alimentado cerca de um ano ficasse preparado de forma a que as famílias dele pudessem tirar o maior proveito. É que no novo ano que se aproximava a sua carne e os respectivos enchidos iriam servir de base à alimentação, numa época em que não havia a fartura que hoje se verifica. 
Logo pela manhã no quintal sobre uma mesa retangular baixa com pés firmes era deitado e atado o porco ou  como também era chamado, que seria ainda agarrado pelos homens que ajudavam nessa tarefa e posteriormente na desmancha. Calhava ao meu bondoso e saudoso avô materno o tal ato de "crueldade", que era espetar a faca comprida e pontiaguda na goela do bicho que grunhia de forma lancinante ouvindo-se em quase toda a freguesia, até que finalmente dava o último suspiro. No chão estava um grande alguidar de barro onde tinha sido deitado vinagre para onde o sangue ia escorrendo e que a minha avó ia mexendo para não coagular. 
Aqui, mais tarde, misturar-se-iam algumas partes das carnes ensanguentadas e outras que depois de temperadas dariam origem aos chouriços de carne ou morcelas, como são chamadas na minha aldeia. 
Depois de morto, o porco era colocado no chão seguindo-se outro ritual que era o de o chamuscar com carqueja seca apanhada atempadamente para o efeito. Em seguida o animal era raspado e lavado para ser então transportado para uma divisão junto à casa onde era pendurado numa trave para com uma balança romana ser pesado. Um porco com oito ou nove arrobas era já um orgulho para a família. 
De lado, a tudo isto eu assitia atónita e com a curiosdiade natural dos meus verdes anos...

Continua ...

terça-feira, 6 de novembro de 2018

Saudades (V)


No dia de finados fui até à minha aldeia visitar a minha mãe e acompanhá-la à igreja, onde foi celebrada missa por alma de meu pai. Depois, ainda antes do almoço, fomos ao cemitério depositar flores na campa de meu pai. 
Esta época do ano é bastante nostálgica para mim. Já em criança, quando ali morava, assim acontecia. 
À medida que os meus entes queridos vão partindo, essa nostalgia aumenta e uma emoção estranha avassala-me. Cada vez se me torna mais difícil percorrer os locais onde em tempos idos vivíamos todos em comunhão. A casa dos meus avós, onde fui tão feliz, não parece a mesma com o vazio que se instalou com as suas ausências. É angustiante. O mesmo está acontecer com a casa dos meus pais. Parece que lhe falta alma e como falta! O meu pai sentado na varanda olhando o seu amado Tejo, com os seus lindos olhos da cor do rio, é um quadro que jamais voltarei a ver! Como me dói a sua ausência. 
E assim a vida vai prosseguindo o seu rumo deixando-me mais pobre com a falta daqueles a quem eu tanto amava. 
Até a aldeia que dantes palpitava vida, agora, apesar do progresso, não é mais a mesma. 
Fazem-me tanta falta os meus avós, o meu pai...



Texto e Fotos
 Ailime
06.112018


quarta-feira, 22 de agosto de 2018

O verão na minha aldeia (IV)


No decorrer do verão  tem-me vindo à memória como eram passados os dias na minha aldeia, nos longínquos anos sessenta do século passado, durante a enorme canícula do Estio.
Eram dias excepcionalmente quentes e duros para quem trabalhava no campo. O meu avô costumava levantar-se de madrugada para regar as hortas e só pelo fim da tarde voltava de novo a essas tarefas.
Era a época da rega do milho, do feijão verde, do tomate, pepino, melão e melancia!
(E como era tão bom o gaspacho feito pelo meu avô com os produtos da horta salpicados com orégãos, assim como o refresco de café e vinagre feito pela minha avó)! Saudades desses tempos.
As férias escolares pareciam uma eternidade. Três meses num tempo em que ainda não havia televisão nem outras distracções, a não ser as brincadeiras da época, que eram bem saudáveis, o tempo eternizava-se e eu estava sempre ansiosa para que chegasse o dia sete de outubro, dia em que se reiniciavam impreterivelmente as aulas. Feitas as cópias passadas pela professora que eram imensas (eu despachava tudo em quinze dias;)), sobrava-me imenso tempo que eu ocupava nesses dias a brincar com as minhas irmãs em casa . Pela tardinha um grupo de mães, em que se incluía a minha, reuniam os filhos e lá íamos nós a banhos numa pequena praia no rio Tejo. 
À noite como as casas ficavam insuportavelmente quentes, porque a aragem, se a havia, era irrespirável,  era costume as mulheres da aldeia sentarem-se nas soleiras das portas a conversar até altas horas da noite. Muitas histórias de lobisomens e afins eu ouvi sentada aos pés de minha mãe.
Em traços largos, era assim o verão na aldeia que me viu nascer, que apesar do calor me deixou gratas recordações.


Ailime
22.08.2018
Imagem Google

segunda-feira, 4 de junho de 2018

A vida na aldeia (III)


É primavera, quase verão e o tempo está frio! Hoje chove...
Estou com uma enorme nostalgia e veio-me à ideia o mês de junho passado na aldeia, em criança, nesta época do ano já bastante quente em que os campos verdejantes e com os cheiros tão característicos do alecrim, da murta, do rosmaninho e flor de São João lembravam as noites dos Santos Populares e o Saltar das Fogueiras que se avizinhavam.
Uns dias antes já alguns grupos de rapazes e raparigas, por entre alegres conversas e gargalhadas, se dirigiam aos campos mais próximos para apanhar estas tão aromáticas ervas que, misturadas na lenha,  haviam de contribuir para a alegria de todos.
No fundo era uma brincadeira simples, mas muito engraçada, pelo aspeto cénico que proporcionava numa fase em que a luz elétrica ainda não tinha chegado à aldeia e o resplendor do lume brilhava e iluminava a noite, que na época era como breu.
Em cada rua havia duas ou três fogueiras que pela noite fora eram tomadas de assalto pelos mais afoitos numa disputa que nunca entendi. As crianças como eu limitavam-se, sob o olhar atento dos pais e avós a fingir que saltavam, mas apenas ao lado das ditas fogueiras que crepitavam bem alto.
No fundo era uma brincadeira perigosa, mas que me lembre nunca houve qualquer acidente de maior.
Escusado será dizer que nestas noites todos se deitavam tarde, porque ninguém perdia este espetáculo que só no ano seguinte se havia de repetir.
Santo António, São João e São Pedro não tardam e vivam as velhas fogueiras!



04.06.2018
Ailime
Imagens Google

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

A vida na aldeia (II)


A vida na aldeia era essencialmente rural. A pequena propriedade era dominante e quase todos os seus habitantes tinham um pequeno terreno (nalguns casos mais) onde cultivavam os produtos que serviam para a sua alimentação. Eram terras também ricas em pinhais, hoje praticamente devastados pelos últimos e terríveis incêndios que se fizeram sentir no ano passado.
Os campos tinham como principais cultivos o milho, o centeio, a batata e todos os legumes e vegetais essenciais na alimentação mediterrânica. Das oliveiras, que existiam também em grande abundância, era extraída a azeitona com que se produzia o saboroso azeite nos três lagares existentes na aldeia. As vinhas também se cultivavam, não em grande quantidade, mas o suficiente para saborearmos os seus deliciosos cachos de uva havendo também alguns produtores de vinho.
No que respeita a fruta não era muito abundante existindo essencialmente figueiras, laranjeiras, macieiras e ameixoeiras. O melão e melancia eram bastante cultivados, uma vez que os terrenos a isso se prestavam. Com o passar do tempo foram-se experimentando outras árvores de fruto que deram bons resultados.
Não posso deixar de falar de uma das principais fontes que contribuía para a alimentação do povo da minha aldeia: o rio Tejo que a banha num serpenteado azul que se pode observar, a perder de vista, praticamente de toda a região. O Tejo naqueles tempos era riquíssimo em peixe variado de que destaco: sável, lampreia, enguia, saboga, barbo, barbisco, boga e fataça. Por esse motivo existiam na aldeia muitos pescadores que, no Tejo, utilizando os seus picaretos*, tinham o seu ganha-pão.
Hoje, infelizmente, o rio encontra-se altamente poluído e é com grande tristeza que o afirmo. Os peixes têm morrido aos milhares e há zonas do rio que estão praticamente mortas. Tudo isto acontece pela inconsciência e ganância do Homem que põe em primeiro lugar o lucro em detrimento da defesa do meio ambiente e consequentemente da saúde das populações. Existe, desde há vários anos, um homem - o Guardião do Tejo - que tem vindo a denunciar a situação e que neste momento está em vias de ver o seu sonho realizado, um sonho de todos os que amam o Tejo,  a sua recuperação.

*barco típico de pesca do rio Tejo.

Picareto - Foto de Arlindo Marques


Texo: Ailime
02.02.2018
Fotos Google