terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Regionalismos da minha aldeia (XII)

Hoje lembrei-me de partilhar algumas palavras características da minha região, mais concretamente da minha aldeia, que se situa  na província da Beira Baixa - Distrito de Santarém. Com o tempo algumas caíram em desuso, mas estão todas dicionarizadas (Dicionário Priberam da Net), com excepção de duas palavras que abaixo assinalei.


Alacrau -  escorpião

Arreganhar - arripiar-se; tremer de frio

Arremelgar - abrir muito os olhos

Aventar - deitar fora

Bácoro e Tô - porco

Baraço - cordel

Bucha - lanche; merenda

Cachopo - criança

Camarinha * - granizo

Caramelo - camada de gelo que se forma no inverno; muito frio

Conho -  pedra redonda e lisa

Cruzeta - cabide

Desenculatrado** - escangalhado

Engadanhado -  com as mãos enregeladas

Engonhar - trabalhar de má vontade ou devagar

Forro - sótão

Fressura - vísceras comestíveis dos animais

Furda - pocilga

Gandulo - vagabundo

Mal-enjorcado - que se vestiu à pressa ou de forma atabalhoada

Quedo - Quieto

Tanganho - ramo seco de árvore utilizado para atear o lume

Testo - tampa de panela


*Não encontrei

** Não encontrei


A utilização destas  palavras e muitas outras usadas em todo o País contribuem para o enriquecimento da Língua Portuguesa. Devemos preservá-las e por esse facto aqui as deixo registadas.

Ailime
03.12.2019

terça-feira, 27 de agosto de 2019

A Festa da minha aldeia (XI)


As festas da minha aldeia continuam a efetuar-se no verão, no mês de agosto, em honra de Nossa Senhora das Dores, padroeira da freguesia. São cerca de três dias no fim de semana próximo de 15 de agosto, dia da Senhora da Assunção.
Lembro-me que, na década de 60, alguns dias antes as ruas eram juncadas e enfeitadas com bandeiras coloridas, sinal de que a festa se aproximava. A Festa como era chamada era um grande acontecimento na época para a população local e também para os muitos forasteiros que ali acorriam. Durante o ano não havia distrações e as expetativas focavam-se naqueles dias que eram bastante animados.
A abertura do grande dia, logo pela manhã, era feita por lançamento de foguetes estrondosos e pela Banda do concelho. Ao som de bombos e outros instrumentos lembro-me de acordar sobressaltada, mas logo me lembrava que era o início da Festa. Ao mesmo tempo que a banda percorria as ruas da aldeia ia parando junto das portas para o peditório habitual, que penso se destinaria a ajudar nas despesas.
Como hoje já havia os comes e bebes e no local, centro do arraial, eram dispostas imensas mesas e cadeiras onde cada um se ia sentando tentando escolher o melhor lugar em frente do palco improvisado, onde iriam desfilar os artistas contratados e se efetuavam os bailes ao som de conjuntos musicais. Estes animavam as tardes e os artistas atuavam à noite.
A quermesse com as suas rifas era também um local onde os mais miúdos gostavam de acorrer, "para ver se saía alguma coisa"!
Como só em 1964 a eletricidade foi inaugurada, até então utilizavam-se geradores elétricos e era uma alegria ver tudo iluminado. Por vezes havia o inevitável apagão...
A Festa era também o pretexto para as raparigas estrearem vestidos, qual deles o mais bonito, para atraírem a si, quem sabe, o futuro marido. A confeção dos modelos, no maior dos segredos, efetuava-se bastante tempo antes, não fossem as três modistas da aldeia não darem conta do recado.
Posso dizer que as moçoilas da minha aldeia eram muito vaidosas e caprichosas com as suas roupas festivas.


No último dia, domingo, celebrava-se a Missa seguida da procissão onde seguiam os andores com as imagens dos santos e também com as fogaças, que percorria as ruas enfeitadas de juncos e flores. Nas janelas e varandas podiam apreciar-se bonitas colchas dependuradas.
No final da procissão era feito o leilão para venda das fogaças cujo produto revertia, neste caso, para a igreja.
A Festa estava a chegar ao fim !
À noite depois da atuação do último artista em palco éramos brindados com um grandioso fogo de artificio, com os morteiros a atroar pelos ares a saudade que já se sentia pelo final da Festa.

Ailime
27.08.2019
Fotos (in loco) retiradas do Google
Autor Arlindo Marques

quinta-feira, 9 de maio de 2019

Ofícios da minha aldeia - 1 (X)

Na minha aldeia, sendo sede de freguesia, existia uma enorme e diferenciada capacidade de criar. Muitos eram os artífices que se dedicavam às mais variadas artes ou ofícios, assim os classifico.
Para além das tecedeiras de que é exemplo a Ti Gaiata a que aludi no post anterior, existiam também os cesteiros, o peneireiro, o latoeiro, o forjador, o ferrador, os sapateiros e o saudoso Ti Fontes,  um artista no fabrico dos picaretos (barcos), que ainda hoje navegam nas águas do Rio Tejo. 
Quase no centro da aldeia já a caminho da Fonte Velha lembro-me de, quando ia visitar uma das minhas tias, pelo caminho, parava próximo do cesteiro que, com as suas ágeis mãos executava variados cestos em vime.


O peneireiro, um senhor muito simpático, que apesar da sua avançada idade ainda se encontra entre nós, contou-me há tempos no Lar da Freguesia, onde agora reside, que outrora havia percorrido muitas e muitas feiras com as suas peneiras e outros trabalhos, montado numa bicicleta! Atualmente  tem como passatempo a escrita e posso testemunhar que escreve muito bem.


Ao fundo da Rua Principal e cortando à esquerda, próximo da Igreja, encontra-se a casa do Ti Latoeiro, como era conhecido, onde no rés do chão tinha a sua oficina. Era mestre no manusear da folha de flandres.


Na rua dos meus avós não muito longe da sua casa, vivia e trabalhava o forjador (ferreiro), senhor que sempre vi dentro da sua oficina e  de quem nunca soube o nome. Só sei que, quando ali  passava  o via a martelar com muita energia pedaços de ferro incandescentes, com que ia moldando as enxadas e outros utensílios agrícolas. 


Continua....

Ailime
09.05.2019

 Imagens Google 
(Procurei as que mais se assemelham às minhas memórias).

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

A Ti Gaiata (IX)


A Ti Gaiata, como todos na aldeia a chamavam, era uma senhora que além de tecedeira era também parteira. Ainda hoje não sei se este era o seu verdadeiro nome ou se era alcunha. 
Só sei que era uma pessoa muito simpática e alegre e cheia de genica. Era viúva e vestia sempre de escuro, com um lenço preto atado na cabeça e sempre com um sorriso nos lábios. 
Lembro-me de a ver no seu tear confecionando bonitas colchas de lã ou simplesmente mantas de trapos. Como ela morava perto da nossa casa, por vezes ia visitá-la, porque gostava de a ver manejar os pedais do tear ao mesmo tempo que fazia deslizar o pente com o fio em constantes movimentos, para cá e para lá... Assim nasciam lindas obras de arte. 
Que me recorde era a única parteira da aldeia e no dia em que eu nasci teve de fazer dois partos, o que não seria muito vulgar num meio tão pequeno. O meu durante o dia e à noite o de um robusto rapaz, de seu nome Luís. 
Ainda não tinham passado dois anos, ao nascer do sol de um dia de maio, colocou-me no colo uma mana, eu que acordara no berço com os olhos muitos abertos, decerto ao sentir algum alvoroço no quarto. Claro que não me recordo de nada, tendo sido a minha mãe que mais tarde me contou. A quem me perguntasse quem me tinha dado a menina, a minha resposta era sempre "Ti Gaiata"! 
Era também a Ti Gaiata que nos perfurava as orelhas com a sua mestria para o uso dos brincos. 
O método era bastante doloroso e a minha mãe arrependeu-se por não ter posto fim a esta tradição no que respeita a suas três filhas. 
Entre o tear e os partos a Ti Gaiata preenchia assim os seus dias na aldeia. 
Como eu, muitos dos meus conterrâneos lhe estamos eternamente gratos, por nos ter ajudado a ver a luz do dia. 




Ailime
24.01.2019
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