terça-feira, 27 de novembro de 2018

Matança do porco (I) VI


Por esta altura, finais de Novembro, inícios de Dezembro, aconteciam as matanças dos porcos. Eram sempre antes do Natal, quando a geada tantas vezes, pela manhã, já deixava observar a sua fina camada branca sobre os campos e a erva que orlava os muros ao longo dos caminhos. 
A matança do porco era um acontecimento na vida das famílias e ao mesmo tempo uma festa. Eram convidados vizinhos e família próxima para ajudar nessa ação em si um pouco bárbara e que requeria bastante esforço. Como paga as refeições durante três dias eram por conta dos donos da casa, uma vez que em cada dia havia tarefas específicas. Era assim que toda a gente na aldeia fazia para que o animal bem alimentado cerca de um ano ficasse preparado de forma a que as famílias dele pudessem tirar o maior proveito. É que no novo ano que se aproximava a sua carne e os respectivos enchidos iriam servir de base à alimentação, numa época em que não havia a fartura que hoje se verifica. 
Logo pela manhã no quintal sobre uma mesa retangular baixa com pés firmes era deitado e atado o porco ou  como também era chamado, que seria ainda agarrado pelos homens que ajudavam nessa tarefa e posteriormente na desmancha. Calhava ao meu bondoso e saudoso avô materno o tal ato de "crueldade", que era espetar a faca comprida e pontiaguda na goela do bicho que grunhia de forma lancinante ouvindo-se em quase toda a freguesia, até que finalmente dava o último suspiro. No chão estava um grande alguidar de barro onde tinha sido deitado vinagre para onde o sangue ia escorrendo e que a minha avó ia mexendo para não coagular. 
Aqui, mais tarde, misturar-se-iam algumas partes das carnes ensanguentadas e outras que depois de temperadas dariam origem aos chouriços de carne ou morcelas, como são chamadas na minha aldeia. 
Depois de morto, o porco era colocado no chão seguindo-se outro ritual que era o de o chamuscar com carqueja seca apanhada atempadamente para o efeito. Em seguida o animal era raspado e lavado para ser então transportado para uma divisão junto à casa onde era pendurado numa trave para com uma balança romana ser pesado. Um porco com oito ou nove arrobas era já um orgulho para a família. 
De lado, a tudo isto eu assitia atónita e com a curiosdiade natural dos meus verdes anos...

Continua ...

9 comentários:

  1. Ainda bem que na nossa aldeia já não se faz pois era uma dor de alma o guincho do porco!!!
    Tapava os ouvidos pois detestava ouvir! Bj

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    1. É verdade, Gracinha, agora já não é assim, porque já não se matam porcos na minha aldeia também. À distância custa-me imenso visualizar tudo o que acontecia. Nem sei como consegui assistir a tudo aquilo. Bjs

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  2. Boa Tardinha, querida amiga Ailime!
    O conto fato está muito bem redigido, sem sombra de dúvidas, mas eu não posso me recordar da matança de boi numa fazenda do Norte do Brasil para os festejos de N. S Aparecida com churrasco farto. Quando vi o boi arredando o pé para trás para não entrar na guilhotina, eu fiquei horrorizada... meu Deus!
    Agora, revivi aquele momento... um suplício para os pobres dos animais, amiga.
    Mas era o costume e tanta coisa vai mudando com o tempo para minimizar o que pode ser melhorado.
    Vou ficar no aguardo do seu livro sobre esta aldeia linda com as casinhas em branco. Você sabe escrever de forma plena e com sensibilidade, amiga.
    Tenha dias abençoados e felizes!
    Bjm carinhoso e fraterno de paz e bem

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  3. Puxa, um "espetáculo" nada agradável de ver e nem ouvir... Uma vez ouvi de longe e até hoje lembro! Tão triste! Te ler sempre é bom! beijos, lindo dia! chica

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  4. Um texto muito bem elaborado, com lembranças fortes e tocantes. Gostei de saber da sua vivência, Ailime.
    Voltarei para ver a continuação...
    Abçs

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  5. Olá, querida Ailime!

    Gosto mto da sua forma de escrever, pke sabe Português e consegue transmitir-nos prazer na leitura. Embora, tenha nascido numa vila alentejana, vim com dois anos para Lisboa e nunca assisti à matança do porco, nem de uma galinha sequer.

    Gosto de animais, mas não sofro da maluqueira, atualmente existente a propósito deles. Veja-se a questão das touradas. Eu sei k os animais sofrem como os humanos, mas não podemos coloca-los à frente dos humanos (muitos, pouco valem, eu sei), não me parece uma atitude lógica, ou seja, cada "coisa" no seu lugar.

    Irei acompanhar a continuação.

    Beijos, boa sexta-feira e melhor fim de semana.

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  6. Boa noite Ailime. Na minha aldeia também era assim, a seguir vinha a desmancha, mas eu nunca gostei muito do dia da matação. O momento de matar o porco era um momento de agonia que eu nunca consegui presenciar e afastava-me sempre. Mas é como diz, era um dia de festa na casa da família que matava.
    A minha família teve desde sempre uma grande relação com a matança do porco, esse acto doméstico sempre foi praticado em nossa casa e na família sempre houve um matador. Tanto o meu avô materno como o meu avô paterno eram bons matadores. Hoje até poderá ser encarado por algumas pessoas como um acto bárbaro, mas não é, isto foi um ritual que fez parte da vida de gerações, pois o porco tinha um grande significado no mundo rural, porque era daí que saía o"governo" da casa para o ano inteiro. A população alimentava-se somente com o que a terra produzia e do porco, que tinha de dar para o ano inteiro.
    Adorei passar por cá.
    Beijinhos e boa semana.

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  7. Era a sobrevivência em condições difíceis...
    Abraço, querida Amiga.
    ~~~

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