quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Matança do porco (conclusão) VII


Conclusão 

Depois da pesagem do porco, este era aberto para lhe serem retirados o baço, o fígado, o coração e outras miudezas, assim como as tripas que no próprio dia eram levadas num grande tabuleiro de madeira para um riacho, onde nas suas frescas e límpidas águas correntes eram bem lavadas e raspadas com vinagre, laranja e limão. 
Mais tarde serviriam para o enchimento das morcelas, assim como o bucho do porco. 
Entretanto, ao lume, na velha lareira, ia fumegando a comida da matança  que além de uma sopa bem forte era constituída de, pelo menos, um prato feito com a carne do porco, nomeadamente com o baço, fígado e o coração cortados em pedaços e sangue cozido temperados com alho, cominhos e cravinho entre outros temperos, sendo conhecido este prato por Cachola. 
No dia seguinte era feita a desmancha do porco separando-se o toucinho, o entrecosto, os lombos os ossos da espinha, as pernas e as pás, aproveitando-se estas últimas para presuntos e chouriços, respetivamente. 
A carne da pá e outras eram cortadas em pedaços pequenos que em grandes alguidares de barro eram temperados com sal, alho, colorau e vinho branco ficando pelo menos oito dias neste preparado. 
Neste dia recordo-me que era feita uma sopa com o espinhaço do porco com massas de cotevelinhos  aromatizada com hortelã que era  uma delícia. 
A minha avó fazia também um lombo na frigideira temperado com laranja que era de comer e chorar por mais.  O meu avô costumava retirar dos alguidares da carne alguns pedacinhos com os quais fazia umas deliciosas espetadas na brasa. 
No terceiro dia da matança, a minha avó com a ajuda da minha mãe fazia o enchimento das morcelas. 
Em seguida eram escaldadas em água a ferver e penduradas no fumeiro. 
Estas morcelas ainda frescas eram deliciosas grelhadas na brasa.  
À ceia era servido um prato que a minha avó fazia numa caçarola com base na mioleira do porco desfeita (os temperos já não me recordo) e broa de milho desfeita também. Só sei que ainda hoje guardo o paladar desse manjar, assim como dos outros que atrás referi. 
Mais tarde seria feito o enchimento dos chouriços que também iriam para o fumeiro. Os presuntos   depois de devidamente salgados e untados salvo erro com azeite e colorau eram pendurados para secarem. 
A minha avó fazia ainda enchidos com tiras de lombo lardeados com toucinho que, depois de fumados, eram um verdadeiro petisco. Habitualmente estes enchidos eram comidos mais tarde, depois de passado o tempo necessário no fumeiro. 
Por último eram feitas as farinheiras, que como o nome indica levam farinha e uma gordura especial do porco, cujo nome não posso precisar, além de colorau e massa de pimentão.
O toucinho e outras carnes eram salgados e guardados nas salgadeiras (arcas onde se guardavam e conservavam as carnes).
São estas as minhas memórias da matança do porco. Faltam alguns detalhes que devido à minha pouca idade não retive.

6 comentários:

  1. Quantas recordações e como eram trabalhosos os dias naquela época... Nem me imagino fazendo algo assim hoje em dia...Mas, na verdade, nas pequenas aldeias, até na Itália, isso ainda acontece! E depois do trabalho de poucos, TODOS querem usufruir,rs... beijos, tudo de bom,chica

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  2. Rituais que são comuns em eventos como este...ao qual nunca assisti mas sei que aconteceram em quase todas as aldeias!!!
    Bj

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  3. Era uma necessidade para a conservação da carne.
    Porém, as pessoas ficaram viciadas e não se contentam com pouco como então, pelo contrário, abusam dos fumados e salgados por guloseima, o que não é nada saudável.
    Beijinhos
    ~~~~

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  4. Boa noite, Ailime...
    Gostei bastante da continuação da matança do porco... Detalhes e dedicações que admiro muito, pois requerem paciência e são trabalhosos demais... Mas, há muita recompensa!
    Beijinhos

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  5. Olá, Ailime!

    Como tem passado? Espero que mto bem. Eu, razoável felizmente.

    Tal como prometi, aqui estou eu, mais uma vez, para ler o seu post, que me deu a conhecer tanta coisa boa e saborosa, mas pobrezinho do porco. Depois, esquecia-se isso, o sofrimento do animal, acho eu, e pensava-se nas inúmeras comidas, que com a carne e miudezas dele se poderiam confecionar, guardar e eram muitas, segundo nos diz, fora aquilo de k se não lembra, devido à sua pouca idade.

    Gostei muito de ler estes dois textos sobre a matança do porco, aquando da sua infância.

    Esperava-a no meu blogue, mas isto não é ou não deveria ser "se eu te der, tu retribuirás" e pelo que presumo, a temática dele não é do seu agrado. Respeito a sua decisão e sobretudo respeito e "amo" as pessoas, embora não tenha qualquer religião.

    Beijos e dias felizes.

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  6. Ailime, a festa aldeã era mesmo cheia de momentos deliciosos e que se prolongavam pelo ano inteiro.
    Na minha aldeia, no dia da desmancha do porco, havia também um hábito, um gesto, que consistia em levar aos lares mais chegados, vizinhos, familiares e amigos, um prato com carne, morcela, costeleta...para que todos pudessem provar.
    Ao ler sobre os enchidos com tiras de lombo que a sua avó fazia logo me cresceu água na boca, embora eu ainda vá vivendo estes momentos de degustação tradicional e caseira, a minha mãe por altura do Natal ainda faz sopa da matação que é feita com água da cozedura das carnes de porco salgadas (cabeça, chispes, pedaço de presunto…), couve de cortar e os temperos (azeite, cominhos e picante a gosto), quando a couve está cozida deita-se pedacinhos de pão e deixa-se ferver um bocadinho.
    Lá para Janeiro faz também umas saborosas farinheiras que as nossas são quase como as alheiras trasmontanas. Não são feitas com farinha, são feitas com pão, cortado aos pedacinhos, um caldo de carnes bem apurado, as carnes bem desfiadas e com os temperos especiais hummm até lhe sinto o cheiro e o sabor.
    Este post podia ficar dias, semanas, meses, anos, que eu tinha sempre algo mais a dizer, mas, por ora, fico por aqui...desejando-lhe um bom fim de semana.
    Beijinhos.

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